Em dezembro do ano passado, um fantasma passou a assombrar o mercado de games nacional: trata-se do projeto de lei de autoria do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que torna crime fabricar, importar ou distribuir jogos de videogames ofensivos "aos costumes e às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos".
Caso entre em vigor, o projeto será um retrocesso para a indústria nacional. Ao menos, esta é a opinião unânime dos empresários procurados por pela reportagem para comentar o assunto.
Para Marcos Khalil, proprietário da rede UZ Games, varejo de videogames que conta com 22 lojas no Brasil, o projeto pode prejudicar os negócios: "Os impactos começariam na já pequena indústria nacional, que ficaria ainda menos competitiva, repercutiriam no comércio, que sem jogos para vender teria que fechar as portas, demitir ou dar menos empregos, e, pior, alimentaria a pirataria e a venda ilegal".
Já Glauco Bueno, diretor de marketing e estratégia para América Latina da distribuidora Synergex, está satisfeito com o sistema de classificação etária vigente no Brasil, feito pelo Ministério da Justiça. O executivo também teme que os efeitos do projeto de lei, caso este entre em vigor: "Seria um retrocesso ao avanço da indústria do entretenimento multimídia brasileira, com sérios efeitos na cadeia produtiva e formação de know-how tecnológico, além de mergulhar ainda mais o mercado numa seara de clandestinidade".
"É muito genérico e nem dá para entender direito qual é o objetivo, se é proibir, por exemplo, pedofilia ou apologia às drogas", questiona Julio Vieitez, diretor geral da Level-Up. "O conceito de 'ofensivo' é muito relativo, pois o que ofende um não ofende o outro", completa.
Para Gilberto Akisino, diretor de Gamemaxx, "o projeto de lei fere o livre arbítrio da população, além de promover a volta do monstro da censura". A NC Games, por fim, se movimenta para tentar impedir que o projeto de lei entre em vigor: "Vamos questionar os fabricantes presentes no Brasil, como Sony e Microsoft, que são os mais capacitados a tentar derrubar o projeto", explica Lucia Schröter, gerente de marketing da companhia.
Curiosamente nenhuma das empresas - e tampouco a Abragames, associação que congrega as produtoras de games nacionais - chegou a ser procurada pelo senador para elaboração do projeto de lei.
Sem conhecimento de causa
Em conversa anterior com a equipe de reportagem, no início de dezembro, época da aprovação do projeto na Comissão de Educação do Senado e antes de a carta de protesto da Abragames ser divulgada, o senador afirmou não ter o hábito de jogar videogame, além de não saber mencionar nenhum game específico que poderia se enquadrar no projeto de lei.
O político não soube também apontar um motivo específico que o motivou a elaborar o projeto, mas quando questionado sobre a eficácia do sistema de Classificação Indicativa, que atribui idades recomendadas a produtos culturais como filmes, programas de TV e games, disse que não considera o sistema eficiente. "Tenho certeza absoluta de que as pessoas não a estão seguindo", afirmou o senador.
Davi Ulisses, diretor do Departamento de Justiça, responsável pela Classificação Indicativa, preferiu não comentar a declaração de Valdir Raupp, mas acredita que não é necessária a censura em jogos de videogame: "A Classificação Indicativa defende a liberdade de expressão e escolha do consumidor e cabe aos pais decidirem o que seus filhos podem ou não jogar", diz.
A reportagem tentou várias vezes entrar em contato novamente com Valdir Raupp para comentar as declarações das empresas, mas ele não retornou as ligações e e-mails.
A redação ainda procurou ainda Sony, Microsoft, Nintendo, Electronic Arts, Disney, IDG e Real Networks, que preferiram não comentar o assunto.
Fonte: UOL